terça-feira, 23 de setembro de 2008

Saber não ocupa lugar-Povo cigano

A história do povo cigano ou rom é ainda hoje objeto de controvérsia. Existem várias razões que explicam a obscuridade que envolve a esse assunto. Em primeiro lugar, a cultura cigana é fundamentalmente ágrafa e despreocupada por sua história, de maneira que não foram conservados por escrito sua procedência. Sua história foi estudada sempre pelos não ciganos, com frequência através de um cariz fortemente etnocentrista. Os primeiros movimentos migratórios datam do século X, de sorte que muita informação se perdeu, se é que alguma vez existiu. É importante assinalar também que os primeiros grupos de ciganos chegados a Europa ocidental fantasiavam acerca de suas origens, atribuindo-se uma procedência misteriosa e lendária, em parte como estratégia de proteção frente a uma população em que eram minoria, em parte como posta em cena de seus espetáculos e atividades.

Outro problema que se deve ter em conta é que a inserção (ou não) na comunidade cigana é uma questão disputada. Não existe uma delimitação clara dentro da própria comunidade (nem fora) acerca de quem é cigano e quem não o é.

As principais fontes de informação são os testemunhos escritos, as análises lingüísticas e a genética populacional.


O termo cigano e a questão de sua origem geográfica
O termo em português "cigano" (assim como o espanhol gitano e em inglês gypsy) é uma corruptela de egípcio, aplicado a esse povo pela crença errônea de que seriam provenientes do Egito. No século XVIII, o estudo da língua romani, própria dos ciganos, confirmou que se tratava de uma língua indo-ariana, muito similar ao panjabi o ao hindi ocidental. Isso demonstrou que a origem do povo rom está no noroeste do Subcontinente Indiano, na zona em que atualmente fica a fronteira entre os estados modernos de Índia e Paquistão. Esse descobrimento lingüístico acabou sendo também respaldado por estudos genéticos. É provável que os ciganos originaram-se de uma casta inferior do noroeste da Índia, que, por causas desconhecidas foi obrigada a abandonar o país no primeiro milênio d.C..


Origens lendárias
A procedência dos roma foi objeto de todo tipo de fantasias. Foram considerados descendentes de Caim, ou relacionados com a estirpe de Cam. Algumas tradições os identificam com magos caldeus da Síria, ou com uma tribo de Israel fugida do Egito faraônico. Uma antiga lenda balcânica os faz forjadores (ou ladrões) dos pregos da cruz de Cristo, motivo pelo qual teriam sido condenados a errar pelo mundo, se bem que não há qualquer evidência que situe aos ciganos no Oriente Médio nessa época.


Primeiro movimento migratório do século X
Os estudos genéticos e lingüísticos parecem confirmar que os roma são originários do subcontinente Indiano, possivelmente da região do Punjab. A causa da sua diáspora continua sendo um mistério. Algumas teorias sugerem que foram originalmente indivíduos pertencentes a uma casta inferior recrutados e enviados a lutar ao oeste contra a invasão muçulmana. Ou talvez os próprios muçulmanos conquistaram os roma, escravizando-os e trazendo-os para o oeste, onde formaram uma comunidade separada.

Esta última hipótese baseia-se no relato de Mahmud de Ghazni, que informa sobre 50 mil prisioneiros durante a invasão turco-persa do Sindh e do Punjab. Por que os roma escolheram viajar para o oeste em vez de regressar para a sua terra é outro mistério, se bem que a explicação pode ser o serviço militar sob o domínio muçulmano.

O que é aceite pela maioria dos investigadores é que os ciganos poderiam abandonar a Índia em torno do ano 1000, e atravessar o que agora é o Afeganistão, Irã, Armênia e Turquia. Vários povos similares aos ciganos vivem hoje em dia na Índia, aparentemente originários do estado desértico de Rajastão, e à sua vez, povoações ciganas reconhecidas como tais pelos próprios roma vivem, todavia, no Irã, com o nome de lúrios.

Partiram em direção à Pérsia onde se dividiram em dois ramos: o primeiro, que tomou rumo oeste, atingiu a Europa através da Grécia; o segundo partiu para o sul, chegando à Síria, Egipto e Palestina. No século XII, os ciganos enfrentaram o avanço dos muçulmanos, que tentaram impor sua religião na Índia, e lutaram contra os Sarracenos por muitos séculos, inclusive durante a Idade Média.

Apesar de que as provas documentais começam a ser fiáveis só a partir do século XIV, alguns autores contemporâneos rebaixaram a data do ano 1000 e inclusive antes. Certas referências sugerem que as primeiras referências escritas da existência do povo rom são anteriores: um texto que relata como Santa Atanásia de Egina repartiu comida em Trácia a uns "estrangeiros chamados atsinagi" (do grego Ατσίνγανος') durante a escassez do século IX, em plena época bizantina.

Inclusive antes, nos primórdios do mesmo século, no ano 803, Teófanes o Confessor escreve que o imperador Nicéforo I usa mão de obra de certos atsigani, que com a sua magia, ajudariam-no a conter uma revolta popular.

«Atsinganoi» foi um termo usado também para referir-se a adivinhadores ambulantes e ventríloquos e feiticeiros que visitaram ao imperador Constantino em 1054. Um texto hagiográfico (Vida de São Jorge anacoreta) refere como os «atsigani» foram chamados por Constantino para ajudá-lo a limpar as fragas de feras. Mais tarde, seriam descritos como feiticeiros e malfeitores e acusados de intentar envenenar o galgo favorito do imperador. A extensão desse termo geraria os modernos substantivos tzigane, Zigeuner, zingari e zíngaros.

Um relato histórico-lendário do século X titulado Crônica Persa, de Hazma de Ispaham, menciona a certos músicos solicitados ao rei da Índia, aos que chamou zott. O Livro dos Reis (ou Shahnameh, datado de 1010), do poeta Ferdusi conta uma história similar: vários milhares de Zott, Rom ou Dom («homens») partiriam do atual Sindh (pode ser do rio Indo) com objetivo de entreter o rei da Pérsia com os seus espetáculos.

A partir daí, depois de uma longa estância nessa região, e já descritos como um povo que rejeitava viver da agricultura, espalhariam-se em dois grupos migratórios: o primeiro, que tomou rumo oeste, atingiu a Europa através da Grécia; o segundo partiu para o sul, chegando à Síria, Egipto e Palestina.

Sem comentários: